Barreiras para superar isso prejudicam a participação do cidadão no caso de pessoas com deficiência.

Na construção de um Estado que se oponha aos obstáculos que oneram ou impeçam que os grupos excluídos tenham voz ativa, as chances para o desenvolvimento de capacidades individuais se multiplicam1. Há, assim, um ciclo virtuoso entre participação, cidadania e democracia. Por intermédio das práticas participati- vas, o indivíduo se fortalece enquanto cidadão e, mais fortaleci- do, participa cada vez mais, solidificando a cultura democrática. Nesse aspecto, a participação não deixa de ser também forma ou oportunidade de se ver no outro, na afirmação da sua dig- nidade, na reivindicação, no diálogo e na realização dos seus direitos.

A acessibilidade eleitoral visa a erradicar as barreiras que distan- ciam os indivíduos do exercício de seus direitos políticos. Não se traduz exclusivamente no direito de votar com facilidade, vai além. Tem como propósito a superação, dentre outros, dos obs- táculos arquitetônicos das zonas e seções eleitorais; do precon- ceito e ignorância social que mitigam as chances de candidatos e candidatas com deficiência serem eleitos; da inacessibilidade das propagandas partidárias e eleitorais, dos informes oficiais e debates televisivos que não contam com audiodescrição, lingua de sinais e legenda.

garantia ao sufrágio e às suas manifestações reclama, dessa forma, a eliminação de obstáculos (atitudinais, físicos e socioe- conômicos) impeditivos ou demasiadamente onerosos, que limi- tam principalmente os grupos mais vulneráveis de expressarem seu potencial político. Ao participarem da tomada de decisões políticas, especialmente sobre os assuntos que mais direta- mente lhes dizem respeito, as pessoas com deficiência criam as condições favoráveis e incidem diretamente na construção e efetivação de seus direitos fundamentais. Tal participação facilita ainda o diálogo e a cooperação com governos, demais poderes e atores sociais. Como diz o lema de seu movimento internacio- nal, “nada sobre as pessoas com deficiência, sem as pessoas com deficiência”.

É precisamente nesse contexto que surgem as normas destina- das a assegurar e promover a voz cidadã das pessoas com defi- ciência. No plano internacional, capítulo especial da Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência – que, no Brasil, tem status de norma constitucional – foi dedicado aos direitos e garantias de participação na vida pública e política das pessoas com deficiência (art.29). Seguindo as diretrizes da Con- venção, no sistema jurídico nacional, a Lei n. 13.146 (Lei Bra- sileira de Inclusão) expressamente também assegura referidos direitos (art. 76).

Importante destacar que, antes mesmo da promulgação da Lei Brasileira de Inclusão, na tentativa de equiparar oportunidades no exercício da cidadania aos eleitores com deficiência ou mo- bilidade reduzida, o Tribunal Superior Eleitoral já havia criado o Programa de Acessibilidade da Justiça Eleitoral (Resolução nº 23.381/2012), que, na mesma linha do que posteriormente seria preconizado também pela LBI, garante acessibilidade nos pro- cedimentos, instalações e materiais para votação2.

Tendo como objetivo a implantação gradual de medidas que re- movam barreiras físicas, arquitetônicas e de comunicação, o ob- jetivo do Programa é promover o acesso, amplo e irrestrito, com segurança e autonomia, às pessoas com deficiência ou com mo- bilidade reduzida no processo eleitoral.

Nesse sentido, o Programa estabelece, por exemplo, que as urnas eletrônicas, além das teclas em Braille, também devem ser habilitadas com sistema de áudio, fornecendo os Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) fones de ouvido nas seções eleito- rais especiais ou, quando solicitados, por eleitor com deficiência visual. Ou ainda: os mesários devem ser orientados pelos Tribu- nais Eleitorais para facilitar todo o processo de adaptação à Re- solução, estando previsto, inclusive, parcerias para incentivar o cadastramento de colaboradores com conhecimento em Língua Brasileira de Sinais (Libras).

Além disso, os TREs devem contar com comissão multidiscipli- nar destinada a elaborar plano de ação contemplando as medi- das previstas na Resolução, acompanhar as atividades realiza- das e encaminhar o respectivo relatório ao TSE até o dia 20 de dezembro de cada ano.

Quanto à acessibilidade digital, às páginas dos TREs na Inter- net devem ser adaptadas a todos os tipos de deficiência, para garantia do pleno acesso, e disponibilizar a legislação eleitoral também em áudio.

Releva notar que, em seu 1º Relatório Nacional sobre o cumpri- mento das disposições da Convenção da ONU sobre os Direi- tos das Pessoas com Deficiência, o Brasil admite que ainda não garante a participação política das pessoas com deficiência em toda a sua plenitude devido a obstáculos como a falta de acesso a informações sobre as plataformas políticas e as propostas dos candidatos e candidatas. O Relatório também registra que, por diversas vezes, as campanhas eleitorais brasileiras não são apresentadas em formato acessível, principalmente no que diz respeito aos sítios eletrônicos e ao material impresso. Informa, também, que, no interior do País, é ainda mais difícil o acesso aos colégios eleitorais, o que dificulta a participação de pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida3.

Em suas observações finais sobre o referido relatório brasileiro, de 1º de setembro de 2015, o Comitê da ONU que supervisiona a implementação da Convenção pelos países que a ratificaram, externou preocupação com a discriminação sofrida pelas pes- soas com deficiência no exercício do seu direito de voto, espe- cialmente em razão de interdição e restrições a sua capacidade jurídica, da falta de acessibilidade em muitos locais de votação e da indisponibilidade das informações sobre as eleições em to- dos os formatos acessíveis4.

Não obstante as normas de proteção e promoção de acessibi- lidade eleitoral sejam mais um importante avanço, a efetivação do direito de participação das pessoas com deficiência reclama o planejamento e a execução de políticas públicas intersetoriais (que viabilizem a universalização do acesso a bens e serviços públicos), educação em direitos humanos (a fim de que as pes- soas com deficiência se reconheçam como titulares ou sujeitos de direitos) e o desenvolvimento de ações e programas que in- crementem a participação da sociedade civil.

 

Joelson Dias

Mestre em Direito pela Universidade de Harvard. Ex-Ministro substituto do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Advogado e sócio do escritório Barbosa e Dias Advogados Associados (Brasília-DF). Vice-Presidente da Comissão Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).