Representação política no Brasil trinta e dois anos após a Constituição Federal de 1988.

Quando instituído em um Estado Democrático de Direito, des- de a promulgação da Constituição de 1988, o Brasil iniciou um processo de (re)democratização, na medida em que através de políticas alinhadas à nova ordem constitucional foram programa- das diversas medidas, dentre as quais relacionadas à garantia do diálogo interinstitucional e da efetivação da ascensão e da participação popular no processo de tomada decisões.

Passados quase 32 anos desde a entrada em vigor da Consti- tuição Federal ainda nos deparamos com graves problemas re- lacionados à crise da representatividade política em nosso país, comandados por grupos representantes de uma parcela minori- tária da sociedade.

E, então, cabe-nos, frisar e reiterar, que, inclusive, sustentando um discurso de manipulação, insistimos em considerar as mi- norias de fato, como se maiorias jurídicas e políticas fossem, e vice-versa: mulheres, negros, quilombolas, indígenas, pobres, …; todos compõem, inquestionavelmente, o núcleo basilar e ma- joritário da nossa sociedade que, às cegas, faz-se representar por quem não integra, em regra, essa maioria fática, tornando-os sem voz, sem espaço, sem medidas que atendam aos seus cla- mores reais.

Invertendo-se conceitos basilares como os de maioria e minoria para a construção da nossa democracia, por qualquer que seja o discurso que os (in)justificam, deparamo-nos com uma crise de representatividade nos mais diversos espaços de poder, de modo que torna-se imprescindível a adoção de ações que sejam capazes, minimamente, de garantir a participação do povo, mes- mo que indiretamente, mas desde que por quem lhe represente de fato.

Nesse contexto, e para diminuir o gap de representatividade que se apresenta, buscamos, por meio da legislação, a partici- pação das mulheres na política, luta ainda carente de resultados adequados ao quantitativo feminino na sociedade brasileira – e distante de ser suficiente para garantir a inclusão dos outros gru- pos igualmente, ou mais, à margem da política representativa.

Especialmente carente, principalmente, quando, em desres- peito a uma outra base axiológica que subsidiou a concepção e a construção do nosso texto constitucional – e norteia a sua interpretação e a sua aplicação -, identificamos a ausência de diálogo interinstitucional com a finalidade de não apenas haver respeito mútuo em relação às decisões atinentes à cada poder/ órgão, como também para garantir a efetivação da democracia, por meio da representatividade.

Na medida em que existe uma legislação que exige um percentual mínimo para candidatura de gênero, ainda aquém do que precisamos para garantir a legitimidade democrática no tocante à essa representatividade, a começar pela sociedade e pelos partidos políticos – considerando a necessidade de prévia filiação para que tal participação popular se efetive na composição dos espaços nos poderes – deveríamos todos nos empenhar em im- pulsionar a atuação das mulheres nesses ambientes públicos, tão carentes de ações destinadas ao zelo do bem comum.

Os poderes, Executivo, Legislativo e Judiciário, honrando o compromisso assumido de atuarem em bases e valores demo- cráticos, e/ou contramajoritários (no caso do Judiciário em re- lação à maioria entendida no sentido da política e do direito), não deveriam ser compostos para os cargos de comando quase que unicamente por homens e adotarem medidas discriminado- ras ou que excluam a mulher; num contexto de normatização que a todo instante precisa de atenção para que o pouco que foi reconhecido, não nos seja retirado; impedindo-nos, por fim, de termos acesso aos cargos para os quais eleitas, num movimento quase que automático de cassação de mandatos, sem a menor pretensão de garantir a efetivação do bem maior do Direito que deveria ser o da Justiça Social.

Sem a cooperação da sociedade civil, partidos políticos e ins- tituições governamentais o processo de representatividade da mulher na política seguirá (porque não deixaremos de lutar!), porém, a passos curtos, e por um motivo ‘simples’: não existe lugar para todos, e assim, quem tem acesso liberado ao poder precisará sair para que entremos… e quem quer sair, ainda que sob o discurso da garantia da democracia?

Será que existe, então, democracia sem representatividade? Ou é melhor garantir uma pseudo democracia, em um infindável processo de construção, e, assim, ter-se a certeza que o espaço político já está reservado e não é para todos?!

 

Juliana Rodrigues Freitas

Doutora em Direito (2010 – UFPA/ Università di Pisa – Itália). Mestre em Direitos Humanos (2003 – UFPA). Pós-Graduada em Direito do Estado (2006 – Universidade Carlos III de Madri – Espanha). Graduada em Direito (1998 – Universidade da Amazônia). Atua como Consultora Jurídica e Advogada na área eleitoral e municipal. Professora da Graduação e Mestrado em Direito do Centro Universitário do Estado do Pará – CESUPA. Membro Fundadora da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político – ABRADEP.