Manoel Veríssimo Ferreira Neto

Advogado especialista em Direito e Processo Eleitoral. Mestrando em Sociologia Jurídica e Direito pela Universidade Federal Fluminense – UFF. Membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político – ABRADEP.

Ao meio-dia de 11 de setembro de 1973, depois de meses de tensão crescente nas ruas de Santiago, jatos Hawker Hunter de fabricação britânica mergulharam em rasantes lançando bombas sobre o Palácio de La Moneda. Enquanto as bombas continuavam a cair, o edifício ardeu em chamas. O presidente Allende, eleito 3 anos antes como líder de uma coalizão de esquerda, estava entrincheirado no palácio. Ao longo de seu mandato, o Chile estivera tomado pela inquietação social, crise econômica e a paralisia política. Allende dissera que não abandonaria o posto até ter cumprido o seu dever – mas agora chegará o momento da verdade. Sob o comando do general Pinochet , as forças armadas estavam tomando conta do país. De manhã cedo naquele dia fatídico Allende propôs palavras de desafio num pronunciamento em cadeia nacional de rádio, esperando que seus muitos apoiadores fossem às ruas em defesa da democracia. Mas a resistência nunca se materializou. A polícia militar que guardava o palácio o abandonara; seu pronunciamento foi recebido com silêncio. Em poucas horas Allende estava morto e desse modo também a democracia2.

Depois da vitória no Plebiscito de 1988, Pinochet manteve-se um ano no poder, sendo realizadas eleições presidenciais e parlamentares em dezembro de 1989.

Em 21 de novembro de 2021, mais de duas décadas depois, um novo fantasma assola o estado democrático chileno, desta vez sem o uso de força bélica, mas sim o que Cath Oniel chama de Weapons of Math Destruction (Armas de Destruição Matemáticas – ADM)3.

O uso da tecnologia como fonte de despertamento democrático é sentido no convulsão social de outubro de 2019 quando mais de um milhão de chilenos foram às ruas de Santiago protestar contra o alto custo de vida, aumento da taxa de transporte público,pensões baixas, altos preços de medicamentos e tratamentos de saúde, e uma rejeição geral de toda a classe política e o descrédito institucional acumulado ao longo dos anos, incluindo a própria Constituição do país4.

Após um mês de agitadas manifestações, os representantes dos partidos políticos chegaram em um acordo e convocação de plebiscito pelo qual os eleitores deveriam se pronunciar se queriam uma nova constituição. Resultado: eleição de uma convenção Nacional com 115 integrantes os quais deveriam escrever a nova Constituição Chilena, deixando para trás a carta de Pinochet5.

Essa revolução tecnológica, tem cada dia mais exercido papel determinante na vida cívica dos cidadãos, e foi usada de forma maciça e consciente para que esse turbilhão de sentimentos viessem à tona no “estallido social”. O algoritmo, construção matemática, é ferramenta sofisticada que leva o eleitor a pensar que sua decisão foi tomada da forma mais independente possível. Porém, mascara uma série de sugestões de quem está detrás da criação dessa engenharia.

A rede social META6, por exemplo, com 1,5 bilhão de usuários, embora pareça uma moderna praça de cidade, a empresa determina, de acordo com os próprios interesses, o que vemos e aprendemos em sua rede social. Conforme esse texto é redigido, cerca de 20% dos Chilenos estão logados ao Facebook7.

A análise e a interpretação de grandes volumes de dados de grande variedade foi marcante na problemática da avaliação de professores quando em 2007 o prefeito Adrian Fenty (Washington, D.C.), apostou em ADM para mudar o cenário das baixas notas dos alunos da rede pública da sua cidade.

A BIG DATA está presente na avaliação de risco na concessão de crédito e admissão de funcionários, na forma de acesso às universidades, vigilância preditiva, critério de avaliação de risco de detentos e na sugestividade velada de políticas públicas (desarmamento, identidade de gênero, linguagem neutra, etc.).

Com essas constatações, é preciso questionar: ao ajustar seu algoritmo e moldar as notícias que vemos, poderiam essas tecnologias alterar o sistema político já em crise, transformando a ideia clássica de democracia a qual conhecemos? Como garantir, considerando a opacidade no desenvolvimentos dessas ferramentas, a falta de regulamentação, que o resultado das eleições não tiveram enviesamento daqueles por detrás dos input/output – no aprendizado da máquina ?(machine learning). Ética, accountability e regulamentação na mineração desses dados são indicativos para que tenhamos um processo eleitoral democratico.

Os apontamentos acima já foram observados pela escritora Cathy O’Neil, a cineasta Petra Costa (Democracia em Vertigem) e David Carroll e relatam a forma como a Inteligência Artificial, cada vez mais sofisticada e silenciosa, tem influenciado no comportamento das pessoas e estruturas tradicionais dos países ditos democráticos. Facebook, Google, Apple, Microsoft, Amazon e operadoras de telefonia como Verizon e AT&T são detentoras do novo petróleo (dados) — e os meios para nos guiar da forma que quiserem.

Por outro lado, os partidos políticos, reconhecidamente em crise, não estão andando no compasso da 4ª Revolução Industrial. Estruturados segundo os padrões da antiga sociedade, não conseguem acompanhar a sociedade digital, que não se sente representada por eles8.

Numa sociedade em que o importante é compartilhar, as redes sociais têm ocupado espaço nas praças de discussão, o que até pouco tempo atrás se dava por meio de estrutura organizada: colégios, sindicatos, clubes sociais, partidos políticos, etc. A privacidade, que era o bem estar da sociedade burguesa, passa a ser secundária. Não se trata de transparência, que, no final de contas, é um mecanismo para se saber o que está certo e o que está errado.

Na verdade, os partidos não são mais capazes de tratar das questões reais que interessam ao dia a dia das pessoas. Desconexos da necessidade atuais, abrindo abissal ruptura entre a sociedade e a política. A realidade do Congresso, do Palácio La Moneda, é diferente do que é discutido no twitter.

A sociedade, ao contrário do que ensinava Herbet Marcuse9, sociólogo e filósofo alemão, é uma sociedade pluridimensional, constituída por indivíduos que têm uma pluralidade de dimensões, as quais hoje são potencializadas pela internet. As “encuestas” pelas “calles” da capital mostram um misto de medo e ansiedade quanto às eleições “generales” de 2021. A esperança ficou reservada para outrora.

Essa visibilidade extrema, estranha e complexa, que não se sabe onde se está indo, é inegável. Quem não reconhecer essas mudanças, viverá o medo e as angústias frente à volátil revolução digital.

No Brasil, por exemplo, a desconexão da população com os partidos políticos e classe política está em níveis jamais registrados. Pesquisa de opinião pública realizada pela FGV/DAPP aponta que a insatisfação dos brasileiros no atual contexto se reflete numa falta de confiança generalizada no presidente (83%), nos políticos (78%) e nos partidos (78%)10.

Essa desconfiança levanta imensos desafios: A pluralidade de opiniões, multidimensionalidade dos temas, a mobilização já não acontece em termos antigos. As políticas públicas são emergentes. O que é importante hoje já não será amanhã. A fugacidade é complicada. Como lidar com essa fluidez de informações e, ao mesmo tempo, gerar pontos de referência, valores, caminhos que representem algo mais do que uma sucessão de debates utópicos.

Ao contrário da sociedade socialista, que terminou por colapsar exatamente por sua incapacidade de lidar com as inovações tecnológicas que ameaçavam sua estrutura autoritária de poder, a sociedade atual está disposta a enfrentar essa transformação.

A nova sociedade é definida pela expansão vertiginosa dessa capacidade das pessoas conectarem e desconectarem. O mercado financeiro obrigou os governos a recorrerem à digitalização para concorrerem num ambiente digital da BIG DATA.

Os dados sobre a penetração da internet na sociedade mundial são eloquentes. Smartphones expandiram de maneira que as camadas sociais menos favorecidas são por ela direcionadas. Na medida em que as pessoas se conectam, compactuam compromissos. Não estáveis, não permanentes, mas abrem espaço para todo tipo de debate e participação. O debate das redes sociais, o especialista de internet. Engenharia, matemática, coronavírus, inflação, raça, cor credo, tudo é discutido nas redes sociais e plataformas de mensagens eletrônicas. Cartas substituídas por e-mail, telegrama por whatsapp. A comunicação é instantânea11.

Tudo isso cria um novo espaço público onde nada está predefinido. O caminho e o debate são construídos ao mesmo tempo. A sociedade atual ascende retroage a toque de caixa. A tecnologia amplifica com rapidez o debate, em casos extremos levando a um curto circuito (2019 – La primavera Chilena).

A revolução digital, no caso Chileno, é sentida no segundo período presidencial de Michele Bachelet e ganha proporções inimagináveis com o “estallido social de 2019”.12

Essas transformações são avaliadas por Javier Andres y Rafael Doménech no livro “La era de la disrupción digital”, os quais tecem as seguintes considerações:

“Aunque el balance de la revolución digital sea positivo en términos de renta y empleo si se aplican las políticas adecuadas, hemos de estar muy atentos al importante cambio estructural que se avecina y los costes potenciales de la transición a la sociedad digital… La experiencia histórica nos muestra que el avance tecnológico es compatible con períodos de aumento de la desigualdad y con otros fuerte disminución…Pero hay que hacer un esfuerzo por entenderla, ya que muy posiblemente será en este terreno en el que las sociedades se jueguen el éxito o el fracaso de la revolución digital y la aceptación o no del progreso técnico… La rapidez de la difusión de los principales avances digitales, su potencial transformador de las formas de negocio y de las raciones laborales y profesionales, y la penetración simultánea en diferentes niveles productivos, sociales y de consumo, hacen de la revolución digital un proceso potencialmente muy disruptivo…Es muy probable que dentro de unos años nos encontremos con sociedades que lo han hecho mejor que otros en uno o varios de estos aspectos, lo que va depender fundamentalmente de su capacidad para aplicar estrategias y políticas coherentes con las que gobernar el cambio tecnológicos, tanto en el plano individual como en colectivo, por parte de empresas, agentes sociales y gobiernos”13

Outrora foi a vez da Espanha sentir na pele essa transformação. Em 2004, quando em questão de horas, milhões de pessoas, se utilizando do celular – uma tecnologia nova para época – conseguiram derrotar o governo conservador de José Maria Aznar, que havia manipulado a informação sobre o atentado terrorista de Madri.

O Facebook, em 2010 e 2012, conduziu experimentos para aprimorar uma ferramenta que chamaram de “megafone do eleitor”. A ideia era encorajar as pessoas a dizer que foram as urnas. Parecia razoável o bastante. Ao salpicar os feeds das pessoas com posts dizendo “Eu votei”, o Facebook estava encorajando os norte-americanos — mais de 61 milhões deles — a cumprir seu dever cívico e fazer suas vozes serem ouvidas. E mais, ao postar sobre o comportamento de voto das pessoas, o site estava atiçando a pressão entre conhecidos14.

Depois de comparar históricos de votação, os pesquisadores estimaram que a campanha havia aumentado a participação em 340 mil pessoas. É uma multidão grande o bastante para fazer virar estados inteiros, e até eleições nacionais. George W. Bush, afinal, venceu em 2000 por uma margem de 537 eleitores na Flórida.

No restante do mundo a democracia digital também é sentida. Há uma mudança na relação entre o poder do Estado e atores não estatais. O poder econômico mundial já não está mais nas mãos de uma só nação, ele é multipolar e pluricultural. A globalização é deflagrado por inovações tecnológicas. A China surge como novo marco do modo de produção capitalista deixando nítido que é possível a coexistência de formas de organizações políticas, que pressupõem um controle centralizado de decisões e informações.

Todavia, há diversos desafios e dilemas na utilização dessas tecnologias. O monitoramento massivo da população é uma delas, levando em consideração que são utilizados sem parâmetros bem definidos por empresas privadas e pelo próprio Estado. A capacidade de processamento de dados pelos supercomputadores têm permitido a compilação e intercâmbio de informações importantes das pessoas, revelando informações potencialmente confidenciais.

Isto pode ter um efeito negativo nos direitos dos cidadãos, trazendo também implicações na própria democracia, como a manipulação de dados, votos e resultados das eleições. Por outro lado, a sofisticação já mencionada no perfilamento das informações tem permitido corroer a ideia de uma democracia como um diálogo fluido e aberto entre os iguais15.

Aliados a tudo que já foi dito, a era digital também tem que ser vista sobre o ponto regulatório. A falta de regulamentação sobre a utilização dessas tecnologias tem sido um desafio para os entes públicos e privados, já que é notória a deficiência de marcos legais. As plataformas digitais, por exemplo, e a moderação de conteúdo, estão sendo tratadas com por um tipo de mescla de regulamentos, internacionais, nacionais e auto regulatórios.

A regulamentação da privacidade e liberdade de expressão está se desenrolando de maneira fragmentada, sem acompanhar as transformações tecnológicas, e o que é mais importante, geralmente sem acompanhar quanto os princípios dos direitos humanos que lhe são afetos. Nesse contexto de escassa legislação, inclusive internacional, que o processo eleitoral chileno de 2021 se desenvolveu16.

O processo constituinte e as eleições é um intercâmbio de informações e opiniões, focados na criação de regras fundamentais sobre o processo político e sobre os estandartes normativos que definiriam uma comunidade política.

Segundo pesquisas recentes, a maioria da população chilena se informa sobre as eleições através das plataformas digitais, quais sejam, redes sociais e websites. A democracia digital é uma realidade viva para o povo chileno. Quanto ao tema escreve Alberto Coddou e Sebastian Smart:

“A diferença de lo que pensaba Rousseau de que las democracias solo funcionaban en pequeñas repúblicas, donde los ciudadanos pudieran comprender los sacrificios que implica esta forma de gobierno, las tecnologías digitales podrían superar algunos de estos obstáculos, sobre todo aquellas que permiten la interacción entre usuarios que se encuentran geográficamente aislado”17

Essas tecnologias digitais da democracia representativa moderna puderam permitir a facilitação do diálogo e da moderação de conteúdo de suas interações, que permitiram distinguir entre a coisa pública e privada.

Nesse contexto, é preciso gerir a tensão entre o que se produz em ambas as esferas – pública/privada – as potencialidades democráticas que oferecem as tecnologias digitais são várias como nunca se viu antes na história da humanidade. Apesar disso, existem as brechas digitais em muitos países e no Chile não é diferente: terminais de acesso e alfabetização digital produzem uma desigualdade abissal, além de existir uma forte relação entre o envolvimento político entre o mundo online e offline.

A garantia dos direitos de liberdade e igualdade abre espaço à participação política, dando voz ao povo, o que garante o modelo democrático. A forma como os cidadãos se expressam dentro de uma democracia mudou, se adequando às novas tecnologias18.

Nesse ponto, há distinção entre fornecimento de serviços públicos digitais e participação política dos eleitores em políticas públicas. Não se pretende é claro negar os

avanços de plataformas como E-Governança, o qual garante (i) participação do cidadão na identificação dos problemas públicos. (ii) integração da opinião social civil para encontrar as alternativas de intervenção, (iii) negociação de soluções a fim de tornar legítimas socialmente, (iv) compromisso na cogestão e monitoramento, e (v) avaliação política19. Porém, o processo constituinte e o direito ao voto está para além daquela.

Em nível comparado, existem poucos países que incorporaram mecanismos digitais em deliberativos e consultivos de participação cidadã, e a maioria são processos recentes, como por exemplo, Islândia (2010), Irlanda (2012), Quênia (2010) e Tailândia (2017).

Outro ponto que chama atenção é o enviesamento algorítmico nas tomadas de decisões no que diz respeito às eleições. Até a criação do projeto “megafone do eleitor” do Facebook, nenhum trabalho tinha adquirido tamanho escala de mineração de dados com fins eleitorais. Em horas, o Facebook podia colher informação de dezenas de milhões de pessoas ou mais, medindo o impacto que suas palavras e links compartilhados tinham umas nas outras. E poderia usar esse conhecimento para influenciar as ações dessas pessoas, o que neste caso era o voto.

A campanha do Facebook tinha o objetivo de encorajar as pessoas a votar. Depois de comparar históricos de votação, os pesquisadores estimaram que a campanha havia aumentado a participação em 340 mil pessoas. É uma multidão grande o bastante para fazer virar estados inteiros, e até eleições nacionais. A influência de único algoritmo, de uma única ferramenta (Facebook) no dia da votação, fica claro, poderia não apenas mudar a proporção do Congresso, como também decidir a presidência. Ao sugestionar uma mensagem através da rede, a META estava conscientemente interferindo no comportamento e poder de decisão de escolha dos eleitores.

Não podemos olvidar que os jornais têm exercido influência semelhante há décadas. Editores selecionam as notícias de primeira página e decidem como caracterizá-las. Escolhem apresentar palestinos bombardeados ou israelenses em luto, um policial resgatando um bebê ou espancando um manifestante. Essas escolhas podem, sem dúvidas, influenciar a opinião pública e as eleições20. Contudo, a imprensa tradicional é clara e gravada. Não é opaca, e as pessoas depois debaterão (muitas vezes no Facebook) se aquela decisão foi acertada.

As ADM são mais como o Mágico de Oz: não vemos os seres humanos envolvidos. Quando visitamos o site, passamos por postagens de nossos amigos. A máquina parece ser apenas um intermediário neutro. Muitas pessoas ainda acreditam que é21. Cientes dessa

disrupção trazida pela revolução digital, sem normatização, opaca, enviesada, poderia ela descambar numa recessão democrática? Estado de Exceção como paradigma de tecnologia22?

A exceção é o dispositivo original graças ao qual o direito se refere à vida e a inclui em si por meio de sua própria suspensão, uma teoria do estado de exceção é, então, condição preliminar para se definir a relação que liga e, ao mesmo tempo, abandona o vivente ao direito. É essa terra de ninguém, entre o direito público e o fato político e entre a ordem jurídica e a vida, que foi objeto de estudo por Giorgio Agamben23.

Segundo o autor iatliano, é nessa zona cinzenta, oposto do normal que se encontra o estado de exceção. O totalitarismo moderno pode ser definido, nesse sentido, como a instauração, por meio do estado de exceção, de uma guerra civil Legal que permite a eliminação física não só dos adversários políticos, mas também de categorias inteiras de cidadãos que, por qualquer razão, pareçam não integráveis ao sistema político.

Desde então, a criação voluntária de um estado de emergência permanente (ainda que, eventualmente, não declarado no sentido técnico) tornou-se uma das práticas essenciais dos Estados contemporâneos, inclusive dos chamados democráticos2425. A Pandemia COVID19 é exemplo.

O ano de 2020 entra para a História como o ano em que um vírus de alta capacidade de contaminação parou o mundo. A pandemia impôs nova realidade para a sociedade global e deflagrou uma crise sanitária, sem precedentes no século XXI, ao impor a limitação de direitos tão caros às democracias26. A pandemia trazida pela COVID19, reacendeu a discussão sobre o estado de exceção em países que adotam o sistema democrático. Inúmeros decretos que inviabilizaram direitos constitucionais foram editados sob a justificativa de contingenciamento do coronavírus.

A declaração constitucional de suspensão da lei em prol do restabelecimento da ordem causou desconforto na população em geral, que observou a restrição de direitos e a imposição da força estatal como medida de saúde pública, revelando para muitos a existência de mecanismos legítimos de limitação de direitos27. Nem sempre é necessário existir uma crise para que a exceção se torne regra, e o debate sobre existência dos subprodutos da exceção oportunizada aqui tem esse objetivo: dar a clareza à concepção benjaminiana de que o estado de exceção se tornou a regra é que algumas vidas pela decisão soberana, denunciada por Carl Schmitt, tornam-se sempre nuas de direitos28.

Pois, sobretudo em situações de novo normal, persiste a vulnerabilidade por elas criada, seja pelos danos imediatos (falta de transparência nos dados, desinformações potencializadas pelas fluidez da comunicação digital), seja pelos danos colaterais (sociais, econômicos, políticos e psicológicos), que perduram mesmo após a crise. O discurso de necessidade se restaurou com o medo pandêmico.29

Reconhecido o avanço das tecnologias na formação do processo político como conhecemos e identificado o poder da BIG DATA no comportamento das pessoas e nas tomadas de decisões, seus desafios e dilemas se tornam evidentes nesse processo de democratização digital, levando-se em consideração (i) há falta de regulamentação dos usos dessas tecnologias em boa parte do mundo, (ii) o enviesamento e por trás da criação dos algoritmos e (iii) a falta de transparência, accountability, opacidade que pode descambar em um Estado de Exceção (recessão democrática).

2 Levitsky, Steven, 1968- Como as democracias morrem/Steven Levitsky, Daniel Ziblatt; tradução Renato Aguiar. – 1ºed. – Rio de Janeiro: Zahar, 2018, pag. 14).

3 O’Neil, Cathy Algoritmos de destruição em massa : como o big data aumenta a desigualdade e ameaça a democracia / Cathy O’Neil ; tradução Rafael Abraham. — 1. ed. — Santo André, SP : Editora Rua do Sabão, 2020.

4https://www.cooperativa.cl/noticias/pais/ciudades/santiago/santiago-se-mantiene-como-la-segunda-ciudad-mas-

cara-de-latinoamerica/2019-06-26/080011.html Acesso em 03.12.2021

5 Jaime Anotnio Etchepare Jense, Andrea Carolina Ibáñez Villavicencio. Manual de Formación Ciudadana. Universidad Del Desarrollo. 2020. pag. 282-290.

6 Em outubro de 2021 o Facebook, que é dono da rede social azul, do Instagram e do WhatsApp, anunciou que passaria a se chamar Meta.

7     https://olhardigital.com.br/2019/07/05/noticias/brasil-e-o-pais-que-mais-usa-redes-sociais-na-america-latina/. Acesso em 03.12.2021.

8 Cardoso, Fernando Henrique, 1931 – A soma e o resto: um olhar sobre a vida aos 80 anos – 4ª ed.- Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011. pag. 86

9 https://educacao.uol.com.br/biografias/herbert-marcuse.htm. Acessado em 05.12.2021.

10      http://dapp.fgv.br/o-dilema-brasileiro-entre-descrenca-no-presente-e-esperanca-no-futuro/   acessado     em 05.12.2021.

11 Cardoso, Fernando Henrique. Op. cit.pag. 90.

12 La hoja en blaco: claves para conversar sobre una nueva Constitución 2020 de la selección y prólogo a cargo de MATIAS GUILOFF, RÓCIO LORCA, PABLO MARSHALL, NICOLE SELAMÉ. 2020. La pollera Ediciones. pag.189.

13 Javier Ángel Andrés, Rafael Domènech. La era de la disrupción digital. Empleo, desigualdad y bienestar social ante las nuevas tecnologías globales. Barcelona. Editorial Planeta. 2020, pag. 14-15.

14 Cathy O’Neil. Op. ci. pag. 169.

15 MATIAS GUILOFF, RÓCIO LORCA, PABLO MARSHALL, NICOLE SELAMÉ. Op. cit. pag. 191.

16 MATIAS GUILOFF, RÓCIO LORCA, PABLO MARSHALL, NICOLE SELAMÉ. Op. cit. pag. 192.

17 op.cit. pag. 183.

18 Ensaios sobre a transformação digital no direito: estudos em homenagem ao ministro Kássio Nunes Marques/Coordenador: Bruno Barata, Larysssa Almeida, Leandro Frota – Brasília: OAB Editora, 2021. pag. 208

19 Ensaios sobre a transformação digital no direito. pag. 207.

20 O’Neil, Cathy. Op. cit. pag. 170.

21 Cathy O’Neil. Op. cit. pag. 171.

  1. 22. cit. pag. 171.

23 Agamben, Giorgio, 1942- Estado de exceção / Giorgio Agamben ; tradução de Iraci D. Poleti. – São Paulo : Boitempo, 2004 (Estado de sítio). pag. 10.

24 Op.cit. pag. 13.

25 Esse estado foi criado, inclusive com legislação estruturada e profunda, pelo governo norte-americano após o 11 de setembro… esta é a referência da criação de estado de emergência permanente (USA Patriot Act).

26Crise                            Sanitária                           e                            Estado                           de                           Exceção. https://www.portaldeperiodicos.idp.edu.br/direitopublico/article/view/4397/Sampaio%2C%20Guerra%2C%20S outo%3B%202020. acessado em 05.12.2021

27 Op. cit. pag. 02

28 Op. cit. pag. 21

29 Op. cit. pag. 22

Agamben, Giorgio, 1942- Estado de exceção / Giorgio Agamben ; tradução de Iraci D. Poleti. – São Paulo : Boitempo, 2004 (Estado de sítio).

Cardoso, Fernando Henrique, 1931 – A soma e o resto: um olhar sobre a vida aos 80 anos – 4ª ed.- Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011.

Crise                    Sanitária                    e                    Estado                   de                   Exceção. https://www.portaldeperiodicos.idp.edu.br/direitopublico/article/view/4397/Sampaio%2C%20 Guerra%2C%20Souto%3B%202020. acessado em 05.12.2021

Ensaios sobre a transformação digital no direito: estudos em homenagem ao ministro Kássio Nunes Marques/Coordenador: Bruno Barata, Larysssa Almeida, Leandro Frota – Brasília: OAB Editora, 2021.

Javier Ángel Andrés, Rafael Domènech. La era de la disrupción digital. Empleo, desigualdad y bienestar social ante las nuevas tecnologías globales. Barcelona. Editorial Planeta. 2020.

La hoja en blaco: claves para conversar sobre una nueva Constitución. De la selección y prólogo a cargo de MATIAS GUILOFF, RÓCIO LORCA, PABLO MARSHALL, NICOLE

SELAMÉ. La pollera Ediciones.2020

Levitsky, Steven, 1968- Como as democracias morrem/Steven Levitsky, Daniel Ziblatt; tradução Renato Aguiar. – 1ºed. – Rio de Janeiro: Zahar, 2018.

Jaime Anotnio Etchepare Jense, Andrea Carolina Ibáñez Villavicencio. Manual de Formación Ciudadana. Universidad Del Desarrollo. 2020.

O’Neil, Cathy Algoritmos de destruição em massa : como o big data aumenta a desigualdade e ameaça a democracia / Cathy O’Neil ; tradução Rafael Abraham. — 1. ed. — Santo André, SP         :        Editora                      Rua            do                         Sabão,             2020.

https://www.cooperativa.cl/noticias/pais/ciudades/santiago/santiago-se-mantiene-como-la-seg unda-ciudad-mas-cara-de-latinoamerica/2019-06-26/080011.html Acesso em 03.12.2021

https://olhardigital.com.br/2019/07/05/noticias/brasil-e-o-pais-que-mais-usa-redes-sociais-na- america-latina/. Acesso em 03.12.2021

https://educacao.uol.com.br/biografias/herbert-marcuse.htm. Acessado em 05.12.2021

http://dapp.fgv.br/o-dilema-brasileiro-entre-descrenca-no-presente-e-esperanca-no-futuro/ acessado em 05.12.2021