O cenário pós-pandêmico que abrirá a perspectiva da volta à “normalidade” deverá encontrar na cidadania uma atitude participativa para reconstruir a confiança nas instituições e nos processos de tomada de decisão que constituem o viver em uma democracia.

Poucos acontecimentos são tão determinantes para selar um “antes” e um “depois” na história. A pandemia foi um deles.

A pouco mais de um ano do primeiro contágio no México, o surto originado pela Covid-19 exigiu, tanto para as instituições do Estado como para a sociedade em geral, uma capacidade de adaptação e renovação sem precedentes. E, as autoridades eleitorais não foram a exceção.

Para o caso específico dos Organismos Públicos Locales Electorales (OPLES), representou uma oportunidade para sua reinvenção. Primeiro, por permitir que esses pudessem repensar seus procedimentos de maneira integral, a fim de cumprir os fins institucionais estabelecidos no artigo 41 da Constituição Política dos Estados Unidos Mexicanos; em segundo lugar, para justificar sua existência, a qual tem sido questionada de maneira recorrente nos últimos anos.

Três das lições mais significativas que tal emergência sanitária está deixando para os OPLES são: em primeiro lugar, priorizar o que é realmente importante; em segundo lugar, reconhecer que a vida democrática seguirá seu curso dentro do cenário pandêmico, de forma que mais do que nunca é necessário gerar confiança dos cidadãos dentro de um ambiente de tantas incertezas; e, por fim, assumir que nenhum ator poderá fazer frente à essa crise em o emprego da cidadania.

Em relação à primeira lição, as autoridades eleitorais têm a oportunidade de reivindicar sua relevância como organismos que realizam funções prioritárias em um período marcado pela categorização das atividades “essenciais” e “não essenciais”. Não apenas porque detém a tarefa transcendental de organizar os processos eleitorais nos entes federativos, mas também devido ao papel que desempenham como “escolas de cidadania”, fomentando os valores democráticos e a cultura participativa.

De forma que, mencionar que parte do histórico dos estados da República dependem dessas instituições não é exagerado, já que de seus procedimentos sairão as(os) representantes populares encarregados de canalizar as decisões públicas de sua própria entidade. Além disso, tais instituições têm a capacidade de incutir nos cidadãos o desejo de ver além dos interesses privados e a se comprometerem e se envolverem nos assuntos públicos.

A segunda lição tem a ver com o reconhecimento de que as sociedades democráticas terão que conviver com a pandemia, ao menos, no curto e médio prazo. Certamente, essa emergência sanitária trouxe como sequelas um clima generalizado de incerteza social, acompanhado de desânimo, medo, confusão, ceticismo e desconfiança. Primeiro com o desconhecimento da doença, agora com questão da disponibilidade e eficácia da vacina.

Essas condições acentuam ainda mais o campo da desconfiança cidadã, a qual há se encontrava em erosão há vários anos. Diversos estudos têm alertado sobre essa situação, que tem aumento de maneira particular na América Latina. O último relatório do Latinobarómetro (2018) caracterizou a região como a mais desconfiada da terra, apresentando menores números históricos de confiança interpessoal. Além disso, o relatório assinala que os níveis de confiança decaem independentemente da instituição ou do país (Latinobarómetro, 2018).

Essa situação é extremamente nociva, já que sem confiança não pode haver legitimidade nas eleições. A confiança cidadã, portanto, incide diretamente na legitimidade da democracia, ao ser a pedra angular que fornece justificativa para normas, práticas e para as instituições. Nesse sentido, Dieter Nohlen (2011) afirma que “a questão da consolidação da democracia está intimamente relacionado com a questão de sua aprovação por parte da população”.

Com proximidade das eleições de 2021, as autoridades enfrentam o grande desafio de gerar confiança para que os cidadãos saiam no próximo seis de junho para emitir seu voto com a tranquilidade de que não irão colocar sua saúde em risco. A experiência dos processos eleitorais, tanto em Coahuila quanto em Hidalgo, confirmaram que não apenas é possível que aconteçam eleições seguras ainda em contextos de emergência sanitária, como também é absolutamente necessário. Para ele, as autoridades eleitorais redesenharam cada uma das atividades do processo eleitoral com a finalidade de realizar eleições seguras, confiáveis e tecnicamente sólidas.

Em Querétaro, para citar o local em que resido, a autoridade eleitoral implementou rigorosamente as medidas sanitárias ordinárias, tais como o uso de máscaras de maneira permanente, manter o distanciamento, utilizar o álcool em gel 70%, comunicar frequentemente o estado de possíveis casos de contágio, realizar as sessões de órgãos do colegiado na modalidade virtual, realizar provas de covid-19 nos servidores públicos de maneira aleatória, higienizar os lugares públicos, separar os servidores públicos em diferentes escritórios, colocar filtros sanitários, etc.

Da mesma maneira, foi contemplada a reconfiguração de atividades específicas do processo eleitoral, como a incorporação de sistemas online que facilitem o recrutamento e seleção de pessoas dos conselhos distritais e municipais ou os próprios supervisores e capacitadores locais; a realização de debates entre os candidatos a governador com capacidade limitada e sem audiência; realização de atos formais que acatem as medidas de segurança sanitária; emissão de ordenamentos normativos que regulem o comportamento dos diversos atores políticos, particularmente durante o período de campanhas eleitorais.

Cabe ressaltar que os diversos protocolos sanitários previram que as campanhas devem evitar que menores de 12 anos, idosos, portadores de doenças crónicas ou grávidas compareçam aos seus eventos. Também foi proibido a interação na entrega de propaganda de uma pessoa a outra.

Para o dia das eleições, acrescentam-se as disposições emitidas pelo Instituto Nacional Eleitoral (INE), algumas das quais são no sentido de evitar que duas pessoas votam em uma mesma urna eleitoral ao mesmo tempo, manter uma distância adequada na fila; o uso de máscaras de álcool em gel como obrigatórios, colocar telas sem cortinas para reduzir superfícies de contato, higienizar urnas, ampliar a possibilidade de o eleitorado carregar seu próprio marcador ou caneta, dar prioridade a grupos vulneráveis ​​para votar, entre outras.

Todas essas medidas foram pensadas para vencer o abstencionismo, que é um dos principais rivais. Contudo, assim como está claro que a participação eleitoral no dia de 6 de junho representará que a legitimidade estará depositada nas pessoas que realmente traduzem a vontade popular, também é verdade que o envolvimento dos cidadãos na democracia não pode ser reduzido a este tipo de participação, ainda menos no cenário pós-pandêmico conhecido como o “novo normal”.

Uma parte fundamental será assumir que nenhuma instituição, nenhum governo, nenhum líder, poderá fazer frente a essa crise sem a participação ativa e propositiva da sociedade em seu conjunto. Pode ser que as consequências não tenham se manifestado ainda de maneira radical ou alarmista no México, mas pouco a pouco a desconfiança e a apatia vão trazendo à tona atitudes de egoísmo, intolerância e polarização.

Portanto, a participação cidadã será crucial no período pós-pandêmico, visto que é absolutamente necessário a soma de esforços coletivos que ajudem a reconstruir, a partir dos valores democráticos, as demais estruturas econômicas, políticas, sociais e culturais.

É aqui que entra em ação a última lição da pandemia. A multiplicidade de desafios para organizar eleições em tempos de pandemia excede competências e capacidades da autoridade eleitoral, tornando imperativo que os cidadãos alimentem e nutram a democracia.

A educação cívica e a participação cidadã são ferramentas que permitem a resolução das problemáticas sociais que afetam uma parte da coletividade. Assim, é fácil elucidar o papel que os Organismos Públicos Locales Electorales (OPLEs) irão desempenhar para o fomento da cultura participativa da sociedade, já que direta ou indiretamente, a estabilidade política da sociedade depende dessas instituições.

Somente o comportamento cívico permitirá superar essa complica situação. Como menciona Milano (2020):

A participação cidadã tem um rol decisivo nos dias que se seguirão. Sua capacidade de organizar-se em tempo recorde atrás de ideais de justiça agora tem a oportunidade histórica de demonstrar seu grande valor agregado, ao se organizar internamente, permanecente dentro de suas próprias casas quando instruídos a fazê-lo pelas autoridades que, assim como os cidadãos, desconhecem o que virá a seguir e estão tentando tomar as melhores decisões.

Embora a pandemia tenha acentuado a incerteza no contexto política e social, essa situação apresenta oportunidades para o crescimento, para mudanças positivas e para a inovação em todos os âmbitos, de forma que o âmbito eleitoral não é uma exceção. Os passos futuros estão à vista de todos: gerar confiança nos cidadãos para propiciar a participação da sociedade nas diversas etapas do processo eleitoral, provocando, assim, o êxito das eleições. Consequentemente, isso levará as(os) representantes populares a possuírem legitimidade e governabilidade para colocar em prática suas propostas, que levarão a melhores oportunidades para toda a população.

Afinal, o desafio histórico da sociedade no contexto da pandemia dependerá das atividades que os OPLES realizem no sentido não apenas de gerar confiança e promover a participação, mas, sobretudo nos valores que permeiam a sociedade, bem como no compromisso de exercer o seu direito de voto e de participar ativamente nos assuntos públicos.

Referências:

Constitución Políticas de los Estados Unidos Mexicanos.

Corporación Latinobarómetro. (2018). Informe Latinobarómetro 2018. Disponível em: https://www.latinobarometro.org/latNewsShowMore.jsp?evYEAR=2018&evMONTH=-1

Milano, F. (19 de marzo de 2020). Coronavirus. Participación ciudadana como deber cívico-histórico.El Universal. Disponível em: https://www.eluniversal.com.mx/opinion/flavia-milano/coronavirus-participacion-ciudadana-como-deber-civico-historico

Nohlen, D. (2011). La democracia: instituciones, conceptos y contexto. México. Instituto Investigaciones Jurídicas de la UNAM. Disponível em: https://biblio.juridicas.unam.mx/bjv/id/3024

BIO:

Lic. Alan Fernando Martínez Reyes

Atualmente é assessor da Presidência do Instituto Eleitoral do Estado de Querétaro, desempenhando atividades de coordenação de projetos editoriais e de participação cidadã, assim como na redação de discursos institucionais. É formado em Relações Internacionais pela Universidad Anáhuac de Querétaro. Possui mestrado em Gestão e Inovação Pública pela Universidad Autónoma de Querétaro. Obteve distinções distintas em concursos de redação política em nível estadual e nacional. Em 2020, recebeu a bolsa intercultural internacional concedida pela Organização Internacional Vive México e pelo Instituto Municipal da Juventude de Querétaro. Foi coautor, colaborador e revisor de publicações sobre participação cidadã, com editoras como Tirant Lo Blanch, Colofón e Porrúa.

Tradutora:

Stephanie Braun Clemente: Mestranda em Relações Internacionais no Programa de Pós-graduação em Relações Internacionais da UERJ – PPGRI/UERJ. Atualmente é Pesquisadora Voluntária no Manchetômetro, produzido pelo Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública (LEMEP), do IESP-UERJ; Pesquisadora do Laboratório de Estudos sobre Regionalismo e Política Externa (LeRPE-UERJ); Coordenadora de Relações Institucionais do Centro de Investigación de Asuntos Estratégicos Globales (CEINASEG).