Medidas concretas dentro de um marco jurídico que propõe ferramentas específicas para efetivar freios à violência contra as mulheres, reivindicar seu lugar como sujeito sociopolítico e garantir a igualdade civil, indo em contra a uma cultura que as tem vulnerabilizado sistematicamente.

Violência política contra mulheres devido ao gênero

Historicamente, as mulheres têm que lutar contra a corrente por seus direitos político-eleitorais. Primeiro para que seus direitos fossem reconhecidos e, posteriormente, para poder exercê-los de maneira libre e voluntária, sem nenhum impedimento. Uma das barreiras que elas tiveram e tem que enfrentar é a violência devido ao gênero.

A violência política contra as mulheres devido ao gênero (VPCMRG[1]) é:

“Toda ação ou omissão, incluindo a tolerância, baseada em elementos de gênero e exercida dentro da esfera pública ou privada, que tenha por objetivo ou resultado limitar, anular ou minar o exercício efetivo dos direitos políticos e eleitorais de uma ou várias mulheres; o acesso ao pleno exercício das atribuições inerentes a seu cargo, trabalho ou atividade; o livre desenvolvimento da função pública; a tomada de decisões; a liberdade de organização, assim como o acesso e exercício das prerrogativas, tratando-se de pré-candidaturas, candidaturas, funções ou cargos públicos do mesmo tipo.”[2]

Qualquer forma de agressão política às mulheres -que representam mais da metade da população mundial, bem como do país e dos estados da República Mexicana- afeta a democracia, a liberdade de expressão nas urnas e o desempenho das funções em seus cargos. Se damos ênfase à violência contra as mulheres é porque essa foi e, lamentavelmente, segue sendo, a forma de violência mais tolerada e em torno da qual surgem estereótipos que justificam seu direcionamento às mulheres pelo simples fato de serem mulheres.

Para o processo eleitoral de 2017-2018, a Associação Mexicana de Conselheiras Estatais Eleitorais, A.C. (AMCEE), implementou pela primeira vez o Programa “RED de Candidatas” e documentou vários casos sobre VPCMRG, destacando que 64% dos casos repostados foram por ofensas e 2% por agressão física[3]. Assim, esse tipo de violência se refere à denominada Psicologia Verbal.

Há mais de uma década está avançando no México, em prol da igualdade substantiva, o acatamento ao ponto 5 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU). “Os ODS são mecanismos apropriados que permitirão à população e seus dirigentes, de forma conjunta, participar na busca de consensos sociais e diminuir as brechas”.[4]

Em 13 de abril de 2020 foram reformadas diversas leis gerais, nas quais ficaram determinadas as condutas consideradas violência política contra as mulheres devido ao gênero. Várias dessas condutas foram tipificadas como delitos. Elas foram estabelecidas como fundamento para o início do procedimento sancionatório especial quando esses comportamentos ocorrem dentro dos processos eleitorais. Com esse novo marco jurídico mexicano, a Associação Mexicana de Conselheiras Eleitorais Estatais (AMCEE), em coordenação com os 32 Organismos Públicos Locais (OPLES) e com o Instituto Nacional Eleitoral (INE), consolidou o projeto “Red Nacional de Candidatas a um cargo de eleição popular no âmbito estatal para dar seguimento aos casos de violência política contra a mulher devido ao gênero no processo eleitoral de 2020-2021” (RED).

A RED é projeto ambicioso que pretende cobrir todo o território nacional. Devido a sua envergadura, sua execução requer coordenação entre as instituições eleitorais administrativas e jurisdicionais que formam parte do SNE; Essas são as maiores eleições da história do país, o que torna necessário a colaboração de cada uma das representações dessas instituições, com uma comunicação interinstitucional incorporada em convênios específicos. Um dado relevante é que os 32 Institutos Eleitorais Estatais se somaram, através de suas presidências, ao compromisso de erradicar a violência política contra as mulheres, com estratégias efetivas em cada entidade.

A população-alvo da RED são as candidatas a cargos de governadoras. vereadoras municipais, bem como candidatas aos dois cargos, que participem dos processos eleitorais locais de 2020-2021. A RED atuará desde o início das pré-campanhas até ao final das campanhas. Cada um dos Órgãos Públicos Locais Eleitorais (OPLES), em seus estados, irá verificar o período correspondente para a atuação da RED, de acordo com os calendários eleitorais. Esse período poderá ser estendido até a etapa de resultados, tomada de protesto e respectivo exercício ao cargo, visto que se tem observado em outros processos eleitorais que a VPCMRG se apresenta nas diversas etapas do processo eleitoral.

O objetivo principal da RED é estar em contato com as mulheres que estejam indicadas aos distintos cargos de eleição popular, com a finalidade de lhes prestar acompanhamento e orientação em casos de violência política, empregando ações concretas para erradicá-la.

Pela primeira vez na história do reconhecimento dos direitos das mulheres, é possível contar com um marco jurídico que garante uma vida livre de toda violência política e ferramentas jurídicas reconhecidas pela legislação à nível federal e estatal para que a erradicação da violência política seja realidade. Tendo isso em vista, os objetivos[5] da RED são os seguintes:

  1. Informar as candidatas sobre o que consiste a violência política de gênero, as instâncias em que se pode denunciar, assim como o vínculo ante cada Instituto Eleitoral.
  2. Solicitar o consentimento das candidatas para que os funcionários dos Institutos Eleitorais Locais possam acompanhá-las a cada quinze dias, ao longo do tempo das campanhas. As informações são coletadas pela equipe dos Institutos Locais, por meio da estratégia que cada um estabelece.
  3. As informações serão recolhidas através de formulários e compiladas pela AMCEE, por conselheiro eleitoral designado. Estas serão processadas em conjunto com o INE para posterior apresentação.

Além desses objetivos centrais, a RED possui os seguintes objetivos específicos[6]:

  1. Informar as candidatas sobre a violência política de gênero e como podem denunciar caso passem por isso.
  2. Monitorar ou dar seguimento às campanhas eleitorais locais, com o objetivo de identificar casos que possam ser constitutivos de violência política de gênero. O acompanhamento, seguimento ou fiscalização se dará com o objetivo de tornar visível qualquer ato de violência política que as mulheres possam sofrer ao longo das campanhas, no exercício dos seus direitos político-eleitorais. E, eventualmente, e apenas na competência deste, poderá encaminhar ou orientar as candidatas aos diversos órgãos competentes para conhecer o caso concreto que constitua eventual violência política de género.
  3. Manter um registro com as denúncias que forem sendo feitas, para concentrar a informação em uma base de dados nacional, que será apresentada em relatório final após o processo eleitoral.

Outra ação que está sendo implementada é a divulgação de guias sobre VPCMRG para as candidatas. Este material didático é elaborado de maneira simples e prática, para que as candidatas tenham conhecimento de quais condutas são consideradas VPCMRG e os procedimentos por meio dos quais elas podem realizar suas denúncias e/ou queixas perante a autoridade eleitoral -no caso dos PES- ou para interpor o JDC perante os Tribunais Eleitorais. Uma das principais linhas dessa proposta é motivar e fomentar a cultura da denúncia, afinal fazer com que as candidatas apresentem suas queixas para a autoridade correspondente é fundamental para acessar a justiça. Temos que propiciar uma cultura de denúncia para colocar em evidência qualquer tipo de violência, porque quanto mais esses crimes forem denunciados, maiores serão os efeitos para erradicar a violência política.

A base para que esse acompanhamento funcione é a comunicação com as candidatas, motivo pelo qual foi implementada em cada cidade, estado, município e distrito uma central telefônica, que funcionará todos os dias da semana, 24 horas ao dia, durante o Processo Eleitoral, para ter contato com os conselhos gerais e funcionários dos Institutos Eleitorais Locais, incluindo os conselhos municipais e distritais descentralizados.

A rota a ser seguida é a seguinte[7]:

  • Será comunicado as candidatas em que consiste a violência política contra as mulheres devido ao gênero e as diversas manifestações em que essa problemática pode acontecer, por meios de dípticos, trípticos ou infográficos baseados no Guia de Atenção à VPMRG.
  • Será proporcionada as candidatas uma central telefônica, com dados das instâncias administrativas e jurídicas com as quais podem contar para fazer valer seus direitos político-eleitorais, ou para recorrer com o intuito de denunciar caso sejam vítimas de violência política contra as mulheres.

Por fim, foi desenhada uma logísticas de comunicação entre os OPLE e as candidatas, que funciona da seguinte maneira:

  1. O OPLE irá realizar o seguimento e monitoramento das pré-campanhas e campanhas, com a finalidade de detectar casos que podem ser constituídos como VPCMRG.
  2. Somente dentro das instâncias do OPLE será possível orientar as candidatas nos casos de possível VPCMGR e, então, canalizar para a instancia responsável.
  3. Para documentar as situações de VPCMGR, será utilizado um formato modelo. O OPLE irá o adequar com base na normatividade local acerca da proteção e transparência de dados pessoais.
  4. A conselheira titular da comissão correspondente em cada OPLE deverá elaborar um relatório quinzenal de acordo com os formatos propostos.
  5. A conselheira responsável pela inscrição, uma vez que sejam reunidos os respectivos relatórios estatais, irá elaborar um compilado por distrito e os enviará, juntamente com os relatórios, para a conselheira coordenadora geral.
  6. A conselheira coordenadora geral irá integrar, juntamente com os relatório quinzenais, um compilado mensal, o qual irá conter análises de casos, medidas e ações em cada entidade federativa. Esse compilado será enviado para o Conselho Diretivo da AMCEE, que, por sua vez, o enviará para a Conselheira Titular da Comissão de Igualdade do INE.
  7. Ao concluir o processo eleitoral, será elaborado e apresentado um relatório final.

Conclusões

O processo eleitoral corrente é o maior da história. Em praticamente todos os cantos do país haverá comícios para eleger as autoridades, sejam elas federais, estatais e/ou municipais. Tanto a Reforma Constitucional de 6 de junho de 2019 quanto a de 13 de abril de 2020 garantiu a integração paritária dos órgãos governamentais e o exercício dos direitos político-eleitorais das mulheres em um ambiente livre de todo tipo de VPCMRG.

A RED de Candidatas foi constituída em coordenação com o INE e com os Institutos Eleitorais de cada estado. É um acompanhamento para as candidatas quanto à proteção de seus direitos, libre de toda violência política. Não é apenas para recolher informações estatísticas, como também para assessorar às vítimas, para que estas denunciem tais atos para a instância correspondente, seja administrativa ou judicial. Pretende acompanhar as candidatas que desejem, mas também colocar em evidência qualquer ato de VPCMRG.

A RED é um programa que busca proporcionar o exercício dos direitos político-eleitorais das mulheres em condições de igualdade frente aos homens. A violência política de gênero se apresenta de diferentes formas às mulheres, dependendo do grupo historicamente vulnerável e discriminado a que pertencem, mas tem o mesmo denominador comum, que é denegrir a dignidade humana das mulheres. Assim, a irmandade será um fator importante para a implantação da REDE.

A coordenação alcançada pelos órgãos autônomos eleitorais e o AMCEE será de muita relevância. Nessas eleições será colocado em prova o marco jurídico harmonizado. Existe uma confiança de que a RED de Candidatas propicie uma frente efetiva conta qualquer conduta considerada como violência política contra as mulheres, tanto para esse processo eleitoral, como para o acesso ao cargo de eleição popular.

Bibliografia

Asociación Mexicana de Consejeras Estatales Electorales. Programa Operativo. Red Nacional de Candidatas a un Cargo de Elección Popular en el Ámbito Estatal para dar Seguimiento a los casos de Violencia Política contra la Mujer en Razón de Género en el Proceso Electoral 2020-2021. México: Asociación Mexicana de Consejeras Estatales Electorales, 2020.

Asociación Mexicana de Consejeras Estatales Electorales. Informe Final. Red de Comunicación entre las Candidatas a Cargos de Elección Popular y los OPLES para dar seguimiento a casos de Violencia Política por Razón de Género para el Proceso Electoral Local 2017-2018. México: Asociación Mexicana de Consejeras Estatales Electorales, 2020.

Ley General de Instituciones y Procedimientos Electorales. Honorable Cámara de Diputados del Congreso de la Unión. 2020, Recuperado el 17 de abril de 2021 de http://www.diputados.gob.mx/LeyesBiblio/pdf/LGIPE_130420.pdf.

Naciones Unidas en México, Objetivos de Desarrollo Sostenibles, México: Organización de las Naciones Unidas, 2020, Recuperado el día 17 de marzo de 2021 de https://www.onu.org.mx/agenda-2030/objetivos-del-desarrollo-sostenible/.

BIO

María del Mar Trejo Pérez

Mestre em Ciências da Educação pela Universidad Anáhuac Mayab. Integrante da CAOESTE, da Red de Mulheres Líderes das Américas e Presidenta do Conselho Diretivo Nacional da Associação Mexicana de Conselheiras Estatais Eleitorais A.C (AMCEE). Atualmente é Conselheira Eleitoral do Instituto Eleitoral e de Participação Cidadã de Yucatán (IEPAC), onde preside a Comissão de Participação Cidadã e da Comissão Temporal de Seguimento do Convênio e Plano Integral do Processo Eleitoral 2020-2021, com o INE. Tem se caracterizado pela promoção de políticas de Igualdade de Gênero e Não Discriminação dentro do Instituto, bem como pela Certificação do Instituto na Norma Mexicana 025 sobre Igualdade de Trabalho e Não Discriminação. Colaborou em livros como “Commitments for Citizen Equality”, com revistas como Ruta Ciudadana, Values ​​Magazine e a revista digital Ka ’Taan (Your Voice). Editorial do Diário de Yucatán com temas como; “Paridade Total”, “Poder para as Mulheres” e “Pela Democracia Paritária”.

Tradutora:

Stephanie Braun Clemente: Mestranda em Relações Internacionais no Programa de Pós-graduação em Relações Internacionais da UERJ – PPGRI/UERJ. Atualmente é Pesquisadora Voluntária no Manchetômetro, produzido pelo Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública (LEMEP), do IESP-UERJ; Pesquisadora do Laboratório de Estudos sobre Regionalismo e Política Externa (LeRPE-UERJ); Coordenadora de Relações Institucionais do Centro de Investigación de Asuntos Estratégicos Globales (CEINASEG).

Referências:

[1] Sigla que vem do original em espanhol: “violência política contra las mujeres em razón de género”

[2] Lei Geral de Instituições e Procedimentos Eleitorais (Honorable Cámara de Diputados del Congreso de la Unión, 2020), artigo 3, Númerol 1, inciso k; Acesso em: 17 de abril de 2021, em: http://www.diputados.gob.mx/LeyesBiblio/pdf/LGIPE_130420.pdf

[3] Associação Mexicana de Conselheiras Estatais Eleitorais. 2018. Relatório Final. Red de Comunicação entre as Candidatas a Cargos de Eleição Popular e os OPLES para dar seguimento a casos de Violência Política Devido ao Gênero para o Processo Eleitoral Local 2017-2018. (México: Associação Mexicana de Conselheiras Estatais Eleitorais, 2020).

[4] Nações Unidas no México. Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. (México: Organização das Nações Unidas, 2020). Acesso no dia 17 de março de 2021 em: https://www.onu.org.mx/agenda-2030/objetivos-del-desarrollo-sostenible/

[5] Associação Mexicana de Conselheiras Estatais Eleitorais. 2020. Programa Operativo. Red Nacional de Candidatas a um Cargo de Eleição Popular no Âmbito Estatal para dar seguimento aos casos de violência política contra a mulher devido ao gênero no processo eleitoral de 2020-2021.

[6] Associação Mexicana de Conselheiras Estatais Eleitorais. 2020. Ibdem.

[7] Associação Mexicana de Conselheiras Estatais Eleitorais. 2020. Op, Cit, 9-12.