Pandemia por Covid-19, redes sociais e novas tecnologias da informação, polarização política e ideológica são algumas das variáveis que delimitam o cenário onde se encontra o processo eleitoral mais complexo que o México está prestes a entrar e no qual os órgãos eleitorais subnacionais têm um papel central a desempenhar.

“O formato tradicional da política em que a participação é concentrada apenas e fundamentalmente no evento eleitoral é insuficiente para os cidadãos.”

Antoni Gutiérrez-Rubí

Uma das frases mais conhecidas e difundidas sobre as eleições a serem realizadas no México em 6 de junho refere-se ao fato de que elas serão as “maiores e mais complexas da história” de nosso país.

Isto, em geral, leva a pensar no número de postos em disputa, mais de 21 mil, entre os quais estão os 15 cargos de governador, os 500 assentos a serem renovados na Câmara dos Deputados e os milhares de cidadãos que realizarão o trabalho cívico de formar os postos de votação.

Tudo isso é verdade. Entretanto, quase todas as autoridades, observadores e estudiosos ignoram o intenso trabalho de comunicação que este processo significa e significará. Não é que as autoridades, o INE e o OPLEs[1] (Organismo Público Eleitoral Local, como são chamadas as autoridades eleitorais subnacionais do México) não façam um esforço para informar e gerar consciência cívica e cultura cívica entre os cidadãos, mas sim que o processo de comunicação é extraordinariamente complexo e excede as atribuições e capacidades organizacionais dos institutos.

Além disso, é necessário acrescentar a explosão das tecnologias de informação e comunicação (TIC) que este processo eleitoral específico significou, como nunca antes na história mexicana. Desde plataformas tradicionais como Twitter, Facebook e Instagram, até redes de mensagens instantâneas pessoais, podcasts e aplicativos cada vez mais inovadores e variados, os desafios de comunicação que nossas instituições eleitorais têm que enfrentar este ano são enormes.

Apesar da variedade de desafios que cada aplicativo, rede ou ação de um ator social ou político diferente significa, é possível abranger de certa forma os desafios que as autoridades administrativas eleitorais enfrentarão antes e depois do dia das eleições de junho.

A primeira, sem dúvida a mais reconhecida, é a polarização e amargura que é gerada contra as autoridades eleitorais pelo chefe do poder executivo federal mexicano. O presidente parece determinado a entregar sua mensagem política partidária, mesmo que isso signifique romper todas as barreiras legais, éticas, políticas e constitucionais.

Apesar de o presidente ter declarado em 28 de maio de 2019 que concordaria em cumprir a lei e suspender suas conferências matutinas onde relata seus projetos e ataca seus rivais por mais de duas horas, seu ponto de vista mudou radicalmente e ele lutou para manter seu “direito à liberdade de expressão”, o que o levou a contestar perante o Tribunal Eleitoral (TEPJF)[2] um acordo do Instituto Nacional Eleitoral (INE) que aplicava a proibição constitucional a qualquer funcionário público de emitir opiniões políticas durante o processo eleitoral.

A seriedade deste ponto aumenta quando nos deslocamos do nível federal para o estadual. Em muitos casos, as autoridades eleitorais locais enfrentam esta situação com governadores que atuam como vice-reis todo-poderosos, de modo que o acesso à mídia é dificultado pela pressão do executivo local e pelo condicionamento da compra de espaço publicitário pelo governo estadual.

Tal questão está diretamente relacionada ao uso do orçamento como um instrumento de pressão sobre as autoridades eleitorais subnacionais, uma situação que vem ocorrendo há anos em diferentes estados e que, desde 2018, também está afetando seriamente o Instituto nacional.

Pelo menos 28 das OPLEs sofreram cortes orçamentários, entre eles os institutos dos estados de Oaxaca, com 89%; Puebla, 87%, e Morelos com 79,9% são os casos mais graves. A situação chegou ao ponto que o Presidente do INE, Lorenzo Córdova Vianello, considerou que “há um risco real para o sistema democrático nos Estados devido à relutância dos governos em entregar os recursos necessários para a organização das eleições”, como ele declarou em uma reunião com membros das OPLEs em 6 de março.

Estes cortes, sem dúvida, forçam os órgãos locais a priorizar suas obrigações para que as mais fundamentais sejam cumpridas, deixando de lado a comunicação de muitas de suas decisões e trabalhos ou fazendo o mínimo que a regulamentação no campo exige que eles façam.

Chefes políticos de todo o país aprenderam a lição: se um instituto local não consegue se comunicar com a população para informar, esse vácuo pode ser facilmente preenchido e manipulado pelos aparatos da mídia estatal ou grupos de interesse em aliança com o poder político de cada entidade.

Esta questão particular constitui um grande desafio para os institutos eleitorais e de participação cidadã. A imaginação, a criatividade e o uso de redes sociais parecem ser as respostas óbvias ao desafio, o que em certa medida poderia compensar a falta de recursos públicos.

Entretanto, a toxicidade das redes sociais produzidas pela polarização, e incentivadas por vários grupos político-ideológicos, aumenta o risco de conduzir políticas tradicionais baseadas em comícios para demonstrar a força do partido e a força de cada candidato(a) pela pandemia da COVID-19, que ainda é intensamente vivenciada no território nacional.

Essas condições reduzem muito a eficácia e o escopo da comunicação institucional. Por um lado, a polêmica se transformou em agressividade desenfreada e, por outro lado, a condição efêmera deste tipo de canais aumentou substancialmente.

Novamente, este fator condicionante leva a outro que afeta a capacidade comunicativa dos institutos subnacionais, nacionais e distritais: o discurso anti-sistema que foi instalado em todas as áreas do poder político como medida de controle e punição.

O próximo desafio comunicacional do processo atual decorre deste contexto. Com as autoridades eleitorais diminuídas e sob ataque, gera-se um vácuo comunicacional que não permite contrabalançar situações como a pandemia e os riscos do voto, com o qual a abstenção pode aumentar ainda mais.

Este vácuo na atmosfera informativa da cidadania permite que algo tome seu lugar e, como aconteceu nas democracias sul-americanas dos anos 70 ou nas européias antes dos anos após a Primeira Guerra Mundial, o discurso anti-sistema é o que tende a tomar seu lugar.

Mais uma vez, o ponto de partida não pode ser atribuído apenas a uma pessoa ou instância. Entretanto, o ataque ao sistema eleitoral tem no presidente da república seu promotor mais consistente e visível, bem como nos candidatos e na liderança de seu partido o refrão em que ressoa.

O discurso antissistema vai desde o questionamento histórico, até as objeções à aplicação da lei e suas exigências incluem a remoção de conselheiros, a ameaça de impedir eleições, ameaças de morte e tentativas de intimidação, até o anúncio de uma reforma “abrangente” do órgão eleitoral nacional e do sistema eleitoral em geral para estabelecer “uma verdadeira democracia”.

Como desafio final, os OPLEs e seus membros se encontram em uma gaiola comunicacional cujas barras eles mesmos forjaram, de muitas maneiras. Uma rápida revisão das formas e estilos usados para informar os cidadãos mostra que o formalismo, o legalismo e a estruturação excessiva de mensagens não aproximam esses órgãos da sociedade.

Quase que no geral, os institutos constroem suas campanhas de informação seguindo um modelo institucional bastante formal e quadrado. O mesmo vale para a forma e os canais através dos quais eles fazem seus acordos e decisões conhecidos, assim como o tom e a forma dos mesmos. Este conjunto constitui uma barreira comunicativa com aqueles que, em princípio, devem ser abordados e informados.

Em resumo, como foi argumentado no início deste texto, o atual processo eleitoral representa o maior desafio que as instituições responsáveis por sua organização enfrentaram, principalmente as de âmbito subnacional, em especial no aspecto comunicacional.

Os desafios que descrevemos aqui não podem ser completamente resolvidos no período de tempo (menos de 60 dias) que resta até o dia das eleições, mas com um esforço que inclui um repensar do trabalho das autoridades subnacionais e uma reforma nacional que lhes permita maior independência financeira.

Os OPLEs são, nesta área e em algumas outras, o elo mais vulnerável da estrutura eleitoral do México.

BIO

Eduardo Higuera

Maestro en Análisis Político y medios de Información. Ha participado en el sistema electoral mexicano tanto en el ámbito federal como local como secretario Ejecutivo de Sala Regional, Coordinador de Comunicación Social de la IV circunscripción, asesor de Magistrado Presidente, Subdirector de Prospectiva y Análisis y Coordinador de Gestión de ponencia en el TEDF, entre otros puestos. Es profesor de posgrado en diversas universidades de la CDMX, especializado en comunicación política y manejo de medios. Tiene mas de 400 publicaciones en medios, entre los que se cuentan Letras Libres, El Universal, Huffpost España y Signum: comunicación política y cultura, así como en revistas de órganos electorales locales.

 

Tradutor:

Deninson Aguirre: Mestre em História e graduado em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC Goiás), Coordenador de Relações Institucionais do Centro de Investigación de Asuntos Estratégicos Globales (CEINASEG), Diretor de Projeto e Pesquisa no Centro de Pesquisa internacional (CPINTER).

Referências:

[1] Sigla de  Organismo Público Local Electoral. No decorrer do texto será usada a sigla no idioma original.

[2] Tribunal Electoral del Poder Judicial de la Federación.