Marcelo Peregrino

Doutor em Direito (UFSC), Mestre em Direito (PUC/SP), Juiz Eleitoral Titular do TRE/SC e Diretor da Escola Judiciária Eleitoral Des. Irineu João da Silva do TRE/SC de 2012 a 2014. Integrante da Comissão do Conselho Federal OAB para Mobilização para a Reforma Política, Ouvidor da Justiça Eleitoral do Estado de Santa Catarina de 2012 a 2014, associado e fundador da Academia Catarinense de Direito Eleitoral (ACADE), membro e fundador da Academia Brasileira de Direito Eleitoral (ABRADEP), Presidente da Comissão de Prerrogativas da OAB/SC (2016). Observador Internacional das Eleições da Colômbia (2018), Observador Internacional das Eleições extraordinárias do Peru (Transparência Internacional – 2019), Observador Internacional das Eleições extraordinárias de El Salvador (Transparência Internacional – 2021), Observador Internacional das Eleições extraordinárias do Equador (Transparência Internacional – 2021), Presidente da Conferência Americana dos Organismos Eleitorais Subnacionais para a Transparência (CAOESTE).

Em 21 de novembro deste ano ocorreram as eleições presidenciais do Chile e a CAOESTE – Conferência Americana dos Organismos Eleitorais Subnacionais e a Transparencia Electoral America Latina, entidade que há mais de dez anos atua na região, lograram levar uma grande delegação após um chamamento público na ABRADEP – Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Partidário e no COPEJE – Colégio Permanente dos Juristas da Justiça Eleitoral. Pela primeira vez, todos aqueles integrantes dessas importantes associações puderam participação de uma missão de observação eleitoral internacional – MOE.

A CAOESTE e Transparencia Electoral América Latina atuam por meio da capacitação, publicações de livros, artigos e também pela realização de missões internacionais de observação MOE. Só este ano houve a participação nas eleições do Equador, El Salvador, Bolívia, Chile, Peru, Mexico Chile, Argentina e Honduras. Tudo isso para permitir um intercambio para facilitar o diálogo e a interação com vistas à troca de experiências e conhecimento das práticas eleitorais.

As missões de observação eleitoral são uma tradição do sistema internacional de proteção dos direitos humanos e servem como um olhar externo sobre os processos internos.

A Carta Democrática Interamericana da OEA tem um capítulo próprio sobre a democracia e as missões de observação eleitoral. Os países – pelo menos aqueles integrantes da OEA e da ONU- tem a obrigação internacional de organização, realização e garantia de processos eleitorais livres e justos.

E as missões vem se organizando desde a década de 60 em um conceito bastante indefinido com um caráter simbólico. As missões na década de 80 assumem uma importância enorme, em razão de acompanharem os processos de transição democrática de muitos países e incluíram aí uma análise mais aprofundada dos diversos temas eleitorais. Desde a década de 90, as missões internacionais tem se tornado mais comum e o esforço agora é de institucionalizar e criar standards de atuação dos organismos eleitorais em geral. A obediência a esses standards e à jurisprudência sobre os direitos políticos do sistema interamericano ajuda a aumentar a confiança dos cidadãos na sua democracia.

Desse modo, juízes, advogados e servidores da Justiça Eleitoral puderem participar da observação internacional das eleições em meio a um processo constituinte, fruto de uma grande concertação nacional após a conflagração popular de 2019 conhecido como o “Estallido Social”.

O Chile passa por um momento de intensa polarização política com candidatos que espelham os extremos do espectro político. De um lado, José Antônio Kast, líder do movimento intitulado Ação Republicana e, de outro, Gabriel Boric, cujas biografias assinalam com ajuste dois projetos de governo para o povo chileno muito pouco coincidentes.

Os eventos violentos de 2019 permitem explicar o sucesso das candidaturas. Se José Antônio Kast fincou pé na defesa da lei e da ordem repelindo a destruição da propriedade com a forças do movimento popular, provendo a ideia de “menos impostos, menos governo, pro vida”[1], Gabriel Boric, membro da Câmara dos Deputados integrante do movimento “Apruebo Dignidad”, sempre esteve ao lado dos estudantes, na posição de Pres. da Federação dos Estudantes Chilenos. Seu projeto de governo incorpora um novo modelo de política social com destaque para a garantia da igualdade e inclusão social e uma pensão básica universal[2].

Nesse redemoinho pululam ainda dúvidas sobre o andamento do processo constituinte aprovado em plebiscito com 78% dos votos de aproximadamente metade dos eleitores chilenos. Teme-se que vencendo um candidato conservador, a maioria independente e mais à esquerda dos constituintes, venha a promover alterações mais amplas que o já permitido pelo plebiscito.

Essa dualidade ideológica foi sentida pelos observadores nas riquíssimas visitas realizadas. O Ministro Jaime Bellolio Avaria abriu o Palácio de La Moeda para debater livremente com a delegação brasileira os meandros da política chilena, bem assim as minúcias de seu processo eleitoral. No encontro com o Embaixador brasileiro Paulo Pacheco a MOE pode aprender a importância da relação comercial Brasil e Chile e atentar-se para os diferentes cenários da eleição. Há 30 anos servindo seu país a preleção do embaixador foi muito relevante para a compreensão de que o Brasil está inserido na região e qualquer eleição é sempre vista com muita expectativa pela diplomacia nacional. O primeiro governador eleito de Santiago Claudio Urrego recebeu a missão na sede do governo metropolitano e pode dar o seu testemunho das intensas mudanças ocorridas no país nos últimos anos. Dentre as atividades mais acadêmicas a delegação foi recebida na Universidad del Desarollo – UDD, cujo campus encravado na cordilheira em Las Condes dá relevo estético à qualidade acadêmica da universidade, para um debate com dois deputados Ruggero Cozzi Elzo, constituinte do Distrito 6 de Valparaiso e Constanza Hube, constituinte Distrito 11 e Gabriel Ortiz, investigador da Ong Espaço Público na Jornada de Ciência Política da Escola de Governo da UDD.

O dia da votação contou com a presença da missão em alguns pontos de votação e o acompanhamento direto da apuração que se dá pela mesma mesa receptora de votos. As cédulas diferentes são para cada cargo sufragado e devem ser dobradas de uma maneira muito específica o que consome uma média de 8 minutos por voto. As urnas, uma para cada cargo, são de plástico transparentes e ficam na mesa de votação, sob os olhos de todos.

A fraude eleitoral, a boca de urna, cassações de mandato não são preocupações do povo chileno que veem com curiosidade e alguma estranheza o universo eleitoral brasileiro.

A MOE pode observar e se enriquecer com a diversidade cultural e o universo eleitoral chileno.

[1] O projeto de José Antônio Kast pode ser encontrado no seguinte site e se intitula “Atrévete Chile”: Programa de Gobierno José Antonio Kast 2022 pdf (descargar) (programagobiernokast2022.blogspot.com) Acesso em 19. nov. 2021

[2] Gabriel Boric pode ser melhor compreendido por suas “propuestas para um nuevo Chile – câmbios para vivier mejor”: Propuesta Programática | Boric Presidente Acesso em 19. nov. 2021